Onde já se viu pedir licença pra entrar numa revolução?
Pode chegar, afinal o apocalipse começou e já passou. Estamos distantes de tudo. Disstantes, diríamos melhor. Estamos apenas esperando o meteoro restartar o planeta. Ou, pelo menos, esperando alguém fazer uma ligação direta nesse Rio de Janeiro, terra santa-pecadora da qual trata o tal Cybertópico que lhe estoura os fones. Em outros tempos, chamaríamos isso de disco. E o Disstantes, de banda. Feres na pavimentação, Gilber T e Homobono na contramão. Mas o fato é que estamos no meio da revolução — e ela não carece de definição. Ou de televisão.
Em outras palavras, Cybertrópico é A R T E. Para depois das distopias. Gentileza ou Miró? Não importa. Banksy não faria melhor que o jovem periférico. Manipulado, adaptado, afrontoso, assombroso. Sobrevivente. Direto de São Gonçalo, Grajaú, JPA, CDD, ele diz: “Testemunhem o nosso apogeu, a nossa derrocada/ nós tivemos tudo, hoje não temos nada.” A última geração dotada de racionalidade transa com o androide agiota, em plena vigência do realismo capitalista de Mark Fisher (é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo). Somos o fim da feira.
E mais: somos latinos. Cearense ou mexicano? Quem saberá? Chatuba ou Machu Pichu? Ciudad del Este é igual a Madureira. Sonidero, callejero, rapero. E até meio indiano. Tudo o que sabemos é: isso aqui não é Disney. É Taxi Driver Bacurau. É Central do Brasil, o grande hub. É Pedra do Sal e Escritório. Pau a pique é real, e tem em quantidade. Tem um sol pra cada um, tem os crias de Bíblia, tem revista aleatória e troco de bala. Tem homens e máquinas em ridículos Tempos Modernos. Como tornar a ser humano se o até o osso se transmutou em metal?
No Cybertrópico, você não mora em casa, você mora no trabalho. E no engarrafamento. Tudo é distante e disstante. Ninguém sabe se deseja boa viagem ou se lamenta. Todo dia quebrando o povo de quebrada, ferrovia, barricada, caveirão, BRT. Você dorme andando e, entre um Corote Coca Cola e outro, você pensa: Poesia, numa hora dessas? Sim, tem muito doutor honoris causa nesse bololô. Muita cria soulseek de vários playlists ouvidos no itinerário infinito. Muito poeta-operário que vai do sarau para a fábrica sem sequer cochilar — afinal, o verdadeiro rock industrial se faz assim.
E dá-lhe bass music nas caixas bluetooth. Piseiro, Marília Mendonça, Art Popular, Defalla Chainsaw, Fausto Fawcett e Coisona. O rebanho quer hits, ninguém quer ficar triste. E tasca hardcore, Miami Rock baixo orçamento, Beastie Boys, funk melody, witch house, cloud rap e freak jazz fritando frase nesse beat. Public Enemy, Atari Teenage Riot, Planet Hemp, Seletores de Frequência, F.UR.T.O.. É o quarto mundo sem foco, acúmulo de referências, information overload. Geral bolada.
É guerra ou festa? Insanidade? É Zé Sem Nome e sem hora para chegar. É o Original gutural style do Paulão King, gritando que a carne mais barata do mercado é a carne negra. Histórias da escravidão, sempre atuais. Quem é o perigoso? Quem é o hostil? E daí, a câmera vira para os fálicos foguetes dos bilionários, em busca de riquezas estelares, espalhando poeira cósmica para todo canto. E é nessa hora que o jovem periférico reflete, filosofa, dá um suspiro e exclama:
Vem, meteoro! por SILVIO ESSINGER